LOUVE SEMPRE, MAS

PROCURE PRINCIPALMENTE EDIFICAR

by Steve Atkerson

 

“Culto de louvor” é uma designação que empregamos bastante para nos referir às reuniões da igreja. Porém, é o louvor a razão principal para que os cristãos se reúnam?

É muito comum as pessoas se referirem às reuniões da igreja como “cultos de louvor”. Artigos aparecem regularmente nas publicações evangélicas sugerindo como chegar a um verdadeiro louvor na igreja. Alguns encaram o tempo do culto de domingo com o temor e tremor experimentados por Israel no Monte Sinai. Outros entendem o culto de louvor como um tempo de celebração e alegria. Qual dessas visões é validada pelas Escrituras? Qual delas deve ser empregada numa reunião de igreja? E “culto de louvor”, o que vem a ser?

Todas as palavras para designar “louvor”, em hebreu ou grego, refletem uma de duas idéias. O conceito de louvor mais comumente encontrado hoje deriva da palavra proskuneo. Pros significa “para com” e “kuneo” quer dizer “beijar”. De acordo com o dicionário BAGD, essa palavra designa “o costume de alguém se prostrar perante outra pessoa e beijar seus pés, a bainha de sua capa, o solo, etc. Os persas faziam isso na presença de seu rei endeusado e os gregos ante uma divindade”. Desse modo, a palavra significa “(prostrar-se e) louvar, prestar obediência a outrem, prostrar-se frente a alguém, reverenciar, acolher respeitosamente”. Como se pode ver, proskuneo é uma atitude de humildade, reverência, apreciação, temor, adoração e maravilha. A ênfase é para o amor e a devoção.

O segundo conceito de “louvor” é representado pela palavra latreia, a qual essencialmente significa “serviço” ou “trabalho”. Essa palavra originalmente se referia ao trabalho dos escravos ou servos contratados. Em contraste com proskuneo, latreia é uma palavra de ação.

Assim, biblicamente, adorar a Deus é “trabalhar” para Ele em atitude de “adoração reverente”. Além disso, Jesus disse à mulher samaritana “crê-me, a hora vem, em que nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. … os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (João 4:21-24). Louvor nada tem a ver com localização geográfica ou tempo – é para ser feito em qualquer lugar onde os crentes se encontrem e em todos os tempos. Então porque nós principalmente associamos louvor com edifícios de igrejas, nas noites de domingo?

Surpreendentemente, o Novo Testamento jamais se refere às reuniões da igreja como “cultos de louvor”. Romanos 12:1 menciona um “culto racional”, mas se refere a oferecer nossos corpos a Deus como um sacrifício vivo – nada tem a ver com culto de igreja! Certamente nada há de errado com louvar o Senhor durante as reuniões da igreja (1 Coríntios 14:22-25, Efésios 5:19, Colossenses 3:16). Porém, esse deve ser o principal objetivo do culto?

Muitos cristãos recorrem ao Antigo Testamento para justificar a apresentação de louvor como a razão principal das reuniões da igreja. Sob o Pacto Mosaico, o povo de Deus deveria, por lei divina, fazer várias peregrinações anuais ao único local do templo (a “casa” de Jeová) e fazer oferta de presentes e sacrifícios. Seu louvor consistia de sábados, dias festivos e práticas prescritas pelos mediadores levitas – isso tudo era agendado, localizado e ritualizado. Em contraste, o Novo Concerto introduziu uma radicalmente diferente forma de louvor. A “nova” forma tornou o Pacto Mosaico (e seu louvor) “velho”, obsoleto e pronto a desaparecer (Hebreus 8:13).

A primeira carta aos Coríntios, 14:26, apresenta claramente o pré-requisito para uma reunião da igreja: “Quando vos congregais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação”. (Nota do tradutor: as versões da Bíblia em inglês traduzem a última frase acrescentando-lhe as palavras “da igreja” ao final. Assim, ela fica dessa forma: “Faça-se tudo para edificação da igreja”). “Edificação” vem da palavra grega oikodome e significa “edificar, construir”. Certamente, quando louvamos a Deus em conjunto, somos também fortalecidos. Entretanto, o foco principal do culto é o fortalecimento da igreja. Não é o Senhor que se encontra necessitado de fortalecimento, mas o Seu povo. Nesse sentido, o culto semanal é para benefício das pessoas presentes. As reuniões da igreja são destinadas a edificar aos crentes e, em resumo, elas devem ser centradas no homem, assim como centradas em Deus.

Observe como o conceito de fortalecimento é apoiado por Hebreus 10:24-25: “Consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras, não abandonando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia”. Outra vez, a razão para estar na “nossa congregação” (reunidos) é encorajar uns aos outros (“admoestando-nos uns aos outros”). Isso, para que nos encorajemos reciprocamente no amor e nas boas ações. Nesse aspecto, as reuniões da igreja são destinadas a equipar o crente para que se vá e louve durante toda a semana. Como escreveu Scott Key, “desde que palavras não podem demonstrar, deixe minha vida espelhar o brotar do louvor a Ti”.

As reuniões da igreja (ou cultos), revelados no Novo Testamento são interativas, informais e pequenas. Simplicidade era a regra das reuniões das igrejas domiciliares. Em algum lugar do percurso (cerca da época do Édito de Milão, do Imperador Constantino) saímos dos lares e nos mudamos para os vetustos e majestosos “santuários” (os quais formalmente pertenciam às religiões pagãs). Nós trocamos interação e incentivo mútuo por monólogo. A intimidade foi perdida quando as massas passaram a se encontrar nos enormes salões de conferência chamados catedrais. A informalidade deu lugar à liturgia, pompa e cerimônia. Os cultos se transformaram em espetáculos, com a congregação assistindo às performances da elite espiritual. Nessa atmosfera, atender a 1 Coríntios 14:26 se tornou cada vez mais difícil. Dentre o que ainda podia ser atendido, estava Efésios 5:19 e Colossenses 3:16, de modo que o “louvor” tornou-se o foco principal desses espetáculos de performance.

No outro extremo, assim como as assembléias da igreja não são fundamentalmente “cultos de louvor”, também não devem ser grupos de terapia para os doentes. Não se supõe que um culto seja uma sessão de aconselhamento focalizada nas necessidades de uma pessoa. Por exemplo, centralizar o culto principalmente em curas é violar a “primeira diretiva” de 1 Coríntios 14:26. “Tudo” deve ser feito para o fortalecimento de toda a “igreja”. Sim, toda a igreja pode ser edificada através do milagre da cura, mas como o louvor, isso não deve ser um canal enfatizado em excesso, através do qual todo o fortalecimento seja canalizado. Isso seria como tocar um violão de uma corda só!

Em resumo, todas as coisas que ocorrem num culto devem ser “para edificação” (1 Coríntios 14:26). Desde que rotulamos as assembléias da igreja de “cultos de louvor”, as pessoas tacitamente assumem que o louvor é a razão principal do culto. Se ocorre edificação, ela é incidental ou, na melhor das hipóteses, casual. É um axioma que as instituições se desviam dos propósitos originais que motivaram suas existências. Seria esse o caso dos cultos das nossas igrejas?

Tradução de Otto Amaral

Se você fala português e deseja algum esclarecimento sobre a igreja apostólica ou sobre o artigo acima ou quer fazer algum comentário sobre o mesmo, entre em contato com Otto Amaral no Brasil, pelo e-mail:ottoamaral@uol.com.br

 

(*) Steve Atkerson e sua esposa Sandra vivem no norte da Geórgia (Estados Unidos), com seus três filhos, aos quais ministraram educação formal em casa. Steve formou-se na Georgia Tech e trabalhou em eletrônica industrial antes de ir para o seminário. Depois de graduado Mestre em Divindade pelo Mid America Baptist Theological Seminary, em Memphis, serviu por sete anos como pastor da Igreja Batista do Sul. Ele demitiu-se em 1990 para trabalhar com igrejas que desejavam seguir as tradições apostólicas em suas práticas. Ele viaja e ensina onde o Senhor abre as portas da oportunidade. Steve é também ancião na igreja domiciliar que ajudou a fundar em 1990, além de ser professor, palestrante itinerante e presidente da NTRF (Fundação para Restauração do Novo Testamento), autor dos livros The practice of the Early Church: A Theological Workbook, do Equipping Manual e é editor e autor de artigos do livro Ekklesia: To the Roots of Biblical House Church Life.